terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Mudar

Talvez um dia tudo faça sentido. Talvez, nesse dia, eu olhe pra trás e entenda porque fui embora. De novo. Será que o sol (ou a falta dele) é realmente a explicação para uma mudança tão drástica? E nisso eu me pergunto, saberia eu que essa mudança iria me abalar tanto?

Já falei aqui sobre zona de conforto, sobre entrega, sobre abrir o coração pro novo. Quando escrevi sobre isso me parecia algo simples e fácil. Você se muda, passa pela adaptação, abre o seu coração e aceita a vida nova que acabou de se abrir. Ela vem com tantas novidades que tendem a completar o vazio que estava tentando preencher. Pelo menos por um tempo, eu diria.

Mas dessa vez nao foi assim. Tudo aconteceu tao rápido que não entendi o que estava acontecendo. E muito menos o que estava deixando pra trás. Lembro daquele clima que detestava, e daquelas pessoas que amava. Lembro do frio do lugar, e do calor do acolhimento. Lembro das ruas molhadas e sujas, e da claridade que a minha alma sentiu quando percebeu que estava em casa. Lembro do verde brilhante, e da escuridão do dia. E do cinza, com o verde, com o azul que as vezes brilhava contra os raios de sol tímidos que se atreviam a atravessar a cidade.

E lembro da plenitude. O vazio preenchido com o frio que acolheu a alma. Lembro das ruas, e dos caminhos. Toda manhã, 15 minutos a pé, passos rápidos de quem tem pressa e nada no estômago, mas o coração está calmo. E lembro de mim, porque foi ali que me encontrei, que me re-descobri. Plena, de alma. Lembro que era melhor estar no trabalho do que passar o dia sem fazer nada em casa. Eu chegava, conversava, preparava o café, conversava, trabalhava, me estressava, mas sorria. Era aquele stress bobo de quem sabe que nada daquilo era problema de verdade. Ai tinha a salada do lugar preferido, e os almoços que eu estava sempre atrasada. Mas eu gostava, porque assim não me obrigava a conversar com alguém o tempo todo. Ai tinha a tarde, corrida, muita coisa. Muito riso também. E o sotaque espanhol, e o italiano, e o francês. Tudo junto. E de novo, em um ambiente com pessoas de todos os lugares do mundo, eu encontrei minha casa. Virei parte.

Na hora de ir embora tudo pareceu tão rápido que não consigo me lembrar precisamente como foi. Nada daquilo parceria de verdade. Era como se a minha mente soubesse mas o meu coração duvidasse. E de repente, como em um piscar de olhos, tudo ficou pra trás. O sol veio, mas ele não aqueceu a alma. Pelo menos não ainda.

Nisso eu me questiono novamente sobre a entrega. Porque pra mim o coração esta la enquanto eu estou aqui. Mas do que voce sente falta exatamente? não sei, do todo, de ser todo, talvez.





segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Saudades

Se você perguntar a um intercambista qual o sentimento mais presente na vida dele, a resposta mais provável será saudade.


Saudades de tudo: da família, do sol, dos amigos, da comida, dos cachorros, de tudo. A saudades é um dos sentimentos mais difíceis de se lidar por uma razão: ele só se resolve quando o motivo da saudade se faz presente. O que muitas vezes pode nunca mais acontecer. 
A saudade é aquele incômodo, é aquela dor que as vezes nem é tão profunda assim, mas que sempre está alí. 

Outro aspecto é que ela sempre varia: um dia pode ser da sua família e no outro, simplesmente de um lugar, um cheiro, um momento. 

Ela tem várias formas e talvez sirva para nos mostrar o que é realmente importante na vida. Ninguém sente saudades de algo que não foi bom. 

As vezes ela é um instante, e as vezes se transforma no todo. Ela inunda, preenche e muitas vezes machuca. 
As vezes sinto saudades de alguns "sons" - porque ela se apresenta das mais variadas maneiras. É a saudade de ouvir a minha língua o tempo todo, de ouvir aquela música, ou aquela voz que traz conforto. 

Saudade é para os fortes. É para aqueles que souberam viver e sabem apreciar o que têm/tiveram de bom. É para os que são sensíveis e se deixam marcar por pequenas coisas.
De alguma forma é óbvio sentir saudades dos que amamos - sempre sentiremos. Mas as vezes temos saudades de coisas que nem sequer prestávamos atenção: a esquina da escola, o cheiro da pipoca do final da aula, o riso despreocupado, o sol que queimava, o barulho da onda do mar.  

A saudade talvez seja a mistura de algo bonito com tristeza - acho que essa é a minha melhor definição. É a beleza de algo que foi vivido com a tristeza de não ter isso mais. Saudades é sentir falta e muitas vezes é carência.

O perigo é quando você está tão submerso na saudades, que não aprecia o agora. É a glorificação extrema do passado e a desvalorização do presente. Sabe aquela pessoa que diz que o que passou era sempre melhor que o agora? Então. 

Se eu pudesse dar um conselho, seria: sinta a saudades, deixe o sentimento falar. Mas saiba o momento de calá-lo e colocá-lo no seu lugar. Nós podemos SENTIR saudades, mas não podemos SER saudades. 




segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Desafios

Continuo pensando em entrega, zona de conforto e em saudades. Talvez esses tópicos sempre façam parte da minha vida morando fora do meu país. Ainda fico impressionada em quão contraditórios são os sentimentos e como somos feitos de contradições. Até hoje não acredito que tive coragem o suficiente para ir embora. Pensando friamente, é como se houvesse uma força me empurrando e me obrigando a seguir. Seguir para que? Eu não fazia a menor ideia.

Falando em contradições, como posso sentir tanta saudades do meu conforto e proteção familiar e ao mesmo tempo não querer voltar? Como posso sentir que um lugar é minha casa ao mesmo tempo em que sinto que não é?

Talvez essas dúvidas me acompanhem para sempre. A verdade é que nós pensamos demais, seria mais facil deixar a vida simplesmente seguir em frente. Mas morando tão longe isso me parece impossível. A vida aqui não cansa de ser intensa, de apresentar desafios e mudanças. É como se ela me dissesse: você gosta de desafios? Temos novos para você. 

Eu estava entrando novamente na minha zona de conforto e, ah, quão confortável ela era! Os meus colegas de trabalho pareciam minha familia, nos encontrávamos nos finais de semana, viajamos juntos, compartilhávamos a vida. Pensei: " mesmo fora do meu país encontrei pessoas que me fazem sentir em casa". Você acha que fiquei nesse emprego? Não.

Mas aí vem aquela força de novo, que da mesma maneira que me moveu até aqui, me moveu até o próximo desafio. Aquela mesma que me fez ser forte o suficiente para deixar o meu país, me fez ser forte para deixar o meu tão sonhado e confortável emprego. É quase um vício por desafios.

Com isso chegou o emprego novo, que na primeira semana já jogou a minha zona de conforto para quilômetros luz de mim e me mandou para um outro país para ser treinada pela nova equipe. Nunca me senti tão feliz, tão empolgada, tão orgulhosa de mim mesma e tão desesperada. E nisso volto ao tema contradições - como é possivel reunir todos esses sentimentos em um só ser humano?

Voltei dos USA, mais forte, destemida, corajosa, e mais uma vez, desesperada. Era hora de encarar o emprego, as pessoas novas e o inglês, que enquanto no outro emprego era um assunto resolvido - virou novamente um pesadelo. Era como se tivesse acabado de chegar no país. Coração acelerado, suor frio para falar com as pessoas. Tudo de novo! Mas eu posso reclamar? Não, a escolha foi minha. 

Nisso mais um mês de total desconforto se passou. O desconforto continua, mas talvez hoje consiga controlar o coração que acelera toda vez que preciso me comunicar.
Assim, sem nenhuma conclusão do porque somos/sou invadida por esses sentimentos e por essa sede de mudança, me pergunto se isso acontece só comigo ou se é algo natural do ser humano.

Por que o sentimento de insatisfação é tão presente e ao mesmo tempo tão necessário para seguirmos em frente?


segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Entrega

Essa é apenas uma maneira de deixar as palavras emergirem da alma sem censura, para que elas possam traduzir de alguma maneira o que se passa internamente.
Não há um objetivo além de simplesmente expressar o que está guardado, o que por si só já é suficientemente nobre.

É porque quando se vive intensamente e se entrega verdadeiramente a vida, a necessidade de guardar momentos e de externar aprendizados começa a surgir, o que nada mais é do que um processo natural de compartilhar e dividir. Não há como negar que o ato de "escrever" se torna uma solução óbvia quando se pensa, por exemplo, em eternizar sentimentos.

Talvez essa seja também uma maneira de estar mais perto dos entes queridos, ou talvez seja uma necessidade de ser compreendida, ou pode ser simplesmente porque a alegria deve ser compartilhada para que seja completa (e a tristeza para que seja curada).

E quando se fala em escrever se fala também em entrega, em deixar as palavras fluírem naturalmente. É como fazer um desabafo tão profundo quanto bem elaborado.
Falo sobre entrega porque esse foi um dos meus últimos aprendizados e por ainda estar latejando na minha cabeça.

Quando me mudei de país sabia que eu deveria me "entregar" às novas experiencias, não havia como ser diferente. O conceito é simples, principalmente quando vem recheado de novidades em um lugar belíssimo. Mas o ser humano tem aquela forte tendência ao controle, de mapear todas as possíveis dificuldades como quem busca incessantemente pela sua zona de conforto. Chega a ser quase um desespero para tornar o desconforto em conforto, como se após esse processo pudéssemos respirar aliviados novamente.


É aí onde mora o aprendizado, em se jogar fora da zona de conforto de olhos fechados, permitindo sentir medo e descobrindo como se lida com ele. É se entregar ao novo país, a nova cultura, a nova língua, é errar, acertar, errar de novo e aprender a rir dos erros. Esse é o processo, essa é a entrega, aí mora o crescimento.